terça-feira, 22 de junho de 2010

Saramago: a morte e o Vaticano

(imagem: uol/historiaviva)


É com grande pesar que muitos se despediram de José Saramago. Outros, no entanto, com bem menos consternação... O Nobel de literatura partiu, mas suas obras e posicionamento permanecem vivos como um legado de polêmica e sucesso. Em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, o escritor português faleceu na última sexta-feira (18/06).

"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara", esta é uma frase do livro Ensaio sobre a cegueira; 1995; um dos Best-sellers de Saramago, que ganhou versão cinematográfica homônima sob a direção de Fernando Meirelles. O romance aborda o caos gerado após uma epidemia, que desperta instintos primitivos de sobrevivência, assim como o lado mais torpe e mesquinho da humanidade.

Religião, sociedade e política sempre foram alvos de análise do escritor português. O cristianismo em especial, foi duramente afrontado em O Evangelho segundo Jesus Cristo; 1991; rendendo críticas por parte do Vaticano e a proibição do livro em uma premiação literária. Este episódio foi o motivo pelo qual o autor abandonou Portugal para viver na Espanha.

Após a morte de Saramago, o Padre José Tolentino, Diretor do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura Episcopal Portuguesa, publicou uma carta lamentando a morte do escritor, ressaltando a importância da crítica e da contraposição, que abrem espaço aos diálogos.

Tais palavras soaram apaziguadoras, mas, ao mesmo tempo, desconfortantes. Nunca a Igreja Católica havia se referido de forma tão “amistosa” ao escritor, que no ano passado, durante a apresentação do livro Caim; 2009; classificou a bíblia como um “manual de maus costumes”. Da mesma forma, nunca houve espaço para diálogos, já que a Igreja sempre evitou a discussão de seus dogmas.

Do jornal do Vaticano, Osservatore Romano, veio o ataque real. No último domingo (20/06) a matéria intitulada “O grande (suposto) poder do narrador” classificou José Saramago como um “populista extremista” e “ideólogo antirreligioso”.

O texto pode ser considerado um golpe baixo do Vaticano contra Saramago. Uma tentativa de desmoralizar o escritor postumamente. “Um intelectual que não admitia metafísica alguma, aprisionado até o fim em sua confiança profunda no materialismo histórico, o marxismo", dizia ainda a publicação.

Não é de se estranhar a atitude do Vaticano. Nunca houve, de fato, a intenção de esclarecer certos questionamentos e Saramago tocou fundo na ferida. Em seu último livro Caim, ousou descrever Deus como alguém egoísta e injusto. A Igreja, por sua vez, afirmou que o autor "colocou-se com lucidez ao lado das ervas daninhas no trigal do Evangelho".

Segundo pessoas próximas a Saramago, ainda há muito material não divulgado, escrito por ele. Cabe a Pilar Del Rio, viúva do escritor, a decisão de publicar ou não esse material. É quase certo que, em breve, veremos publicações inéditas de José Saramago nas prateleiras das livrarias, para a alegria de muitos... ...E temor de outros!